O mundo está aí fora e eu aqui, no meu mundinho privado e separado, com as preocupações que considero só minhas, de mais ninguém. Nesse sentido, sinto-me único, peculiar, autônomo e distinto do resto. Quero soluções para a violência urbana, pois vejo-me na condição de vítima potencial desse flagelo moderno que acentua em mim o medo de sair à rua e limita minha capacidade de interagir com a sociedade e a natureza. Mas a violência está lá, é um dado externo e fora do meu controle, e aparentemente não há nada que eu possa fazer a respeito. Posso facilmente apontar “os culpados”: os políticos que pensam em se locupletar dos recursos públicos e não cuidam da saúde nem das instituições sociais; os traficantes, que invadem a periferia com seus produtos de lucro fácil, as drogas, e lançam desafio ao poder constituído; os filhinhos de papai, alienados e drogados, que financiam a manutenção desse complexo de drogas e violência; a polícia corrupta e mal-remunerada, leniente com a criminalidade; o sistema econômico, injusto e discriminatório, que exclui importante parcela da população dos benefícios da cidadania, lançando-os inevitavelmente ao mundo paralelo da droga, do crime e da violência; a falta de fé e esperança num futuro melhor; e muitos outros. "Eu, responsável pelo caos do mundo? Era só o que me faltava! Já basta a minha culpa judaico-cristã, que me faz sofrer em solidariedade às chagas e maldades da história, e que nem dez anos de psicanálise conseguiriam aliviar. E agora você quer que eu carregue o mundo nas costas? Assuma responsabilidade pelo caos que os outros, bandidos e picaretas de todo o gênero, criaram? Nem pensar! "
Este raciocínio resulta de um erro de perspectiva. Continuamos considerando que somos seres especiais, à parte, isolados do resto. Recusamo-nos a incluir a nós mesmos nos processos sociais e políticos “lá de fora”. É uma posição confortável, afinal é mais fácil apontar o dedo para os outros, colocar a culpa nos políticos, e seguir a minha vida como vítima dessa situação que não criei e pela qual não assumo qualquer responsabilidade.

Numa perspectiva integrada, no entanto, é imperioso eliminar o véu do narcisismo que nos separa do resto. O resultado é a união a um processo maior, de evolução da consciência coletiva, que ocorre desde que o mundo é mundo, processo do qual não somos observadores nem analistas muito menos vítimas, mas partes integradas e solidárias, responsáveis mesmo pelos desdobramentos que afetam minha casa, meu bairro, minha cidade, minha nação, meu planeta.
Associar-se conscientemente a esse processo coletivo de criação parece ser o desafio do novo milênio, o próximo passo natural na evolução da consciência que é a própria vida. Essa não é uma tarefa fácil nem evidente, mas é cada dia mais necessária.
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