segunda-feira, 25 de maio de 2009

a civilização e seus descontentes


A Coréia do Norte acaba de realizar uma explosão atômica. O Irã recém testou míssil de longo alcance e declara que não abrirá mão do seu programa nuclear. Somália e Guiné-Bissau perderam suas estruturas de Estado e estão à mercê de saqueadores, piratas e traficantes.  O Paquistão precisa usar o exército contra seu próprio povo, para conter aquela parcela que viu no radicalismo talibã a única salvação. Bento XVI mantém a igreja na condenação do controle da natalidade, da homossexualidade, do aborto, das pesquisas com células-tronco. A crise econômica fez baixar névoa densa no horizonte da globalização. O México perde mais de 8 % do PIB, sem contar ainda os efeitos da gripe suína (oops, da gripe A h1n1). Fora os otimistas de plantão, ninguém é capaz de prever o fim da crise nem o quanto ela afetará a distribuição de poder e riqueza no mundo. A ciência concentra atenção na mudança do clima e busca respaldo político para empurrar tecnologias verdes e energias renováveis. As novas visões do espaço, obtidas de sondas, satélites e telescópios superpotentes, lançam mais incertezas sobre o que pensávamos conhecer do Universo. 

Este poderia ser um breve retrato da aventura civilizatória hoje. O mundo está mais inseguro, mais violento, mais incerto, mais à deriva do que jamais esteve. E, no entanto, nunca vivemos tanto nem tão bem, nunca tivemos tanto acesso ao conhecimento, ao consumo, ao prazer. Nunca nosso leque de opções foi tão amplo, ao ponto de podermos escolher se frequentamos missas ou orgias, raves ou almoços de família, shoppings ou caminhadas ecológicas, museus ou montanhas-russas, escolas ou lan houses, ou ambas, ou todas as opções e muitas outras, cada qual à sua hora. 

Mas estamos contentes? Era esse o almejado produto da civilização? Foi para isso que se sacrificaram vidas, que se eliminaram povos, que se massacraram inocentes, que se encarceraram irmãos? Tudo para que tivéssemos o gostinho de sabermo-nos livres - ainda que poucos dentre nós pudéssemos traduzir essa liberdade em ação? Por que a grande maioria das pessoas infelizes, depressivas, solitárias e mal-humoradas são justamente as que vivem nos países mais avançados? O que ainda falta para nos contentar? Quem se pode dizer, hoje em dia, plenamente realizado? 

Tudo leva a crer que estamos numa encruzilhada civilizatória e que uma escolha coletiva terá de ser feita, brevemente, sobre o rumo da humanidade, uma dessas que encerram eras e refundam estruturas. O problema é que se não tivermos consciência de nossas opções e não soubermos fazer as escolhas corretas, o processo de mudança será doloroso.  As turbulências que vemos no mundo - políticas, econômicas, éticas, morais, psicológicas - podem ser vistas como sinais de que essa mudança está perto - ou já terá começado, e nem percebemos porque quem está no meio da tempestade não consegue ver o tamanho do furacão. 

Com dor ou sem dor, o certo é que mudamos, e mudamos rapidamente, numa avalanche de fatos e situações que nos deixam sem chão, sem referências, sem norte. A menos que tenhamos a habilidade de adotar a postura correta: que possamos, individual e coletivamente, assumir visão integral da nossa existência, e que preparemos, assim, o parto de uma  nova consciência civilizatória, fundada em valores evoluídos e iluminados, frutos de percepção revisada do que significa estarmos vivos, estarmos aqui, habitarmos esse planeta e sermos parte do Universo. A todos os descontentes da civilização, essa parece ser uma reflexão necessária e inadiável. 


3 comentários:

Stopme Malkuth disse...

Gostei muito desse texto... Bom saber que tem mais gente pensando em tudo o que está acontecendo nesse momento!!

X disse...

Gostei muito também. E esse é um tema que cabe uma discursão muito ampla. Como por exemplo, se estamos involuindo ou evoluindo, esse periodo da historia é melhor ou pior que os outros? Ou então: Quais os paramatros que devemos seguir pra agir corretamente?

Abraço

Unknown disse...

Obrigado pelos comentários!
Cristian, sua questão é o nó central, quem tiver a resposta terá encontrado o santo graal.
Porque o que é correto pode variar conforme o parâmetro que usamos, e esse parâmetro será sempre subjetivo. Nossa percepção da realidade é incompleta, parcial, não é confiável, portanto não podemos assumir um código moral próprio e achar que se todos o seguirem o mundo melhorará. Isso já foi tentado por todas as religiões e sistemas de poder e já está mais do que provado que não funciona.
Para mim, o caminho é superar o ego e abandonar o desejo narcisista satisfazer só a mim mesmo. O individualismo exacerbado é que nos trouxe a essa encruzilhada. Buscar uma conexão verdadeira com nossa comunidade, nosso grupo, abandonar a ilusão de que somos separados, acho que é por aí.