quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009

aurora profana


Aurora Profana

A vista a estrada alcança, avança
Densa mata escura augura
Fé constrói, corrói, destrói
Em ti na longa ida pensa

Quando sobre a mata plana
Fugaz sentido em si levanta
Breve som primórdio ecoa
Lava, cria, faz constança

Visão, o vão sentido, embaça
Calor e dor a mão engana
Da rosa aroma desvanece
Nem cor, sabor, odor revela
A tua aurora profana

A roda gira, a alma dança
Temor ausente inspira a paz
A mente tenta sem lembrança
Final sem ti não há
À existência. 


Revirando manuscritos, encontrei essa poesia aí, que escrevi há um ano, logo antes de deixar Brasília. Como blogs também se prestam a essas coisas, resolvi compartilhá-la aqui. Espero que tenham gostado. 


sábado, 7 de fevereiro de 2009

a hora de Noé


Com tantos furacões, inundações, tsunamis, terremotos, derretimento de calotas polares, elevação das marés; com a deterioração do sistema financeiro, que atingiu em cheio o coração da economia capitalista globalizada e ainda pode contaminar os sistemas de poder, com conseqüências imprevisíveis; com os buracos na magnetosfera, que deixam nossos sistemas de comunicação e transmissão elétrica vulneráveis a tempestades solares; com o ressurgimento da pirataria no golfo de Aden (em pleno século XXI !); com a fome, a miséria e as doenças ainda dizimando populações inteiras; com tudo isso, não teríamos chegado na hora de um novo Noé aparecer no mundo, disposto a resguardar a vida em meio a águas turbulentas, e assim atravessar essa fase de destruição que parece já ter começado? 

Falo em Noé no sentido figurado, porque ninguém imagina um velhinho barbudo carregando numa arca casais de todas as espécies para, depois da tempestade, voltarem a povoar a Terra, mesmo que alguns tenham levado essa história ao pé da letra e tenham de fato iniciado essa tarefa, como na construção do bunker com sementes da maior variedade possível de espécies vegetais, em Svalbard, Noruega, que se faz com o apoio do governo norueguês e do Bill Gates. Mas não falo disso. 

Falo em linguagem simbólica, falo de atitude, da escolha que podemos fazer entre protestar contra um gigante, como fez David, ou talvez preparar para liderar uma comunidade através da crise que se aproxima, já é visível e será forte e duradoura, como fez Noé. Falo de mirar o futuro e salvar o que for possível para retomar a vida, passada a tempestade. Para tal, será preciso optar pela criação de algo novo, ao invés de confrontar o antigo. Algo mais voltado para a "proposição" e menos para a "oposição". Quais seriam os princípios de Noé, se optássemos por seguir seus passos?

Menos problemas, mais soluções
Ao definir seu grupo, coalizão ou organização com a orientação de resolver um "problema", você estará minando seus esforços pela negatividade. Saber o que ou a quem somos contra não é suficiente na visão de Noé. Para salvar o planeta e seus habitantes, precisamos também saber o que somos a favor, e a isso direcionar nossas energias. 

Menos demandas, mais metas
Cada vez que formulamos nossos desejos como "demandas", assumimos uma relação de adversários do mundo à nossa volta: reconhecemos que não temos algo, e temos de lutar para obtê-lo. Nessa fase de transformação catastrófica, será que construir adversários ajuda? A alternativa é reformularmos nossas demandas em "metas". Metas podem ser compartilhadas, podem reunir apoios em torno de uma causa, e mesmo que divergências pontuais sejam inevitáveis, podem tornar mais fácil a tarefa de construir um futuro comum. 

Menos alvos, mais parcerias
O mundo é feito de grandes batalhas, mas para vencê-las é mais importante criar rede solidária de parcerias do que fixar-se na destruição do "alvo" inimigo. Se você entrar numa situação qualquer à procura de um inimigo, o encontrará facilmente. Nessa época pré-cataclismática, nosso desafio é encontrar e reunir nossos amigos, e isso é mais importante do que tentar derrubar os inimigos. Para enfrentar as mudanças em curso, precisamos voltar uns aos outros, mais do que uns contra os outros. 

Menos acusações, mais confissões
Muitos dos inimigos que precisamos destruir, senão todos, estão dentro de nós. Nós também somos parte do "problema". Tentamos mudar o status quo, mas é dele que seguimos tirando nosso sustento. No fim do dia, acabamos alimentando o próprio monstro contra o qual queremos lutar. Aqui, é preciso ter uma dose de humildade: reconhecer que não estamos apenas lutando contra o poluidor lá fora, mas também contra o poluidor dentro de nós. Todos temos pequenos demônios interiores que poluem nossas mentes e nossos corações, turvam nossos pensamentos e distorcem nossas ações. Seríamos mais fortes se reconhecêssemos e confessássemos nossas fraquezas, nossos medos, nossas necessidades. A sua experiência de luta interior, para realinhar sua vida a propósitos maiores e mudar seu próprio comportamento, ainda que seja pontilhada de pequenos fracassos e recorrentes fraquezas, como acontece na vida de todos nós, é o que vai criar a empatia e a cumplicidade com aqueles que se quer conectar e firmar laços mais fortes e perenes para a travessia conjunta. 

Menos discurso, mais entrega
Você não pode salvar um país ao qual você não sirva. Você não pode encampar uma causa em que você não acredite. Você não pode liderar alguém que você não ame. O amor pressupõe a entrega. Não estamos sempre certos, não somos donos da verdade, somos apenas buscadores, como todos os outros seres desse planeta azul. Não podemos convencer mais as mentes, precisamos achar meios de falar aos corações. E só conheço uma receita: ser verdadeiro, entregar-se, amar. 

Você já parou para pensar na companhia de quem você gostaria de embarcar na Arca de Noé? O que você deixaria para trás, o que seria realmente indispensável ter com você? Não falo no plano material (eu bem que gostaria de levar o meu iPod...) mas no nível simbólico, arquetípico, imaginário, qual seria a sua melhor companhia para atravessar mares turbulentos? 



quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009

ego

No texto que publiquei no solstício de inverno (do hemisfério norte), chamado Mordor, recebi alguns comentários sobre as referências que fiz ao ego e à necessidade de que ele seja aniquilado, como condição para o surgimento de consciência mais alinhada com nossos verdadeiros propósitos de vida, da mesma forma que Frodo teve de empreender a jornada heróica e sofrida para retornar o anel à lava vulcânica de onde havia sido feito, para lá derretê-lo.

Recebi alguns comentários em defesa do ego e achei que valeria a pena retomar essa noção. Achei noutro blog (The Cleaver) o seguinte trecho (tradução minha), que bem ilustra o que tento transmitir:

"Como se vestisse o quepe branco do capitão, o ego toma o timão, mesmo que ele não tenha a experiência suficiente para navegar. O verdadeiro trabalho do ego é cuidar dos impulsos de sobrevivência, tais como comer, beber, reproduzir, reunir-se em tribos, lutar ou fugir. Ele não está equipado para comandar uma nave grande e complexa. Consequentemente, faz uma série de erros, perde-se, avança sobre águas turbulentas e colide com outros egos. Com frequência, infringe dano em si mesmo e nos outros. Do mesmo modo, buscando justificar-se entre uma teoria ou outra, o ego só consegue alcançar resultados medíocres, se comparados com o comando magnífico e brilhante do self superior. Precisamos necessariamente convencer o ego a tomar o assento traseiro.
(...)
Ser quem você é não é nenhum vago sentimento da Nova Era. É uma disciplina rigorosa de trabalho pessoal para adquirir a consciência do presente. É uma trajetória espiritual natural. Ao trazermos nossa atenção ao momento presente, desconectamos os mecanismos egóicos da mente e a liberamos do fluxo da temporalidade. Saímos do loop do tempo (a terceira dimensão); a mente se torna imediatamente mais profunda e conectada (com a quarta dimensão). Esta é a jornada heróica do verdadeiro ser. Isso é filosofia, psicologia, espiritualidade, ciência e arte. É a realidade viva de observar nosso Dharma, nosso sagrado caminho pessoal, dia a dia, todos os dias.

Pensar e fazer são periféricos. Ser é tudo. Ser é agora. Isto é sabedoria antiga, profunda e autêntica. É o conhecimento que mais uma vez brota à superfície em milhares de mentes, retirando-as pouco a pouco da grande e recorrente amnésia da humanidade."

Não se trata, de fato de aniquilar o ego, mas de retirá-lo do comando, de compreender que existe uma força condutora nesse cosmos que é superior à nossa compreensão e que dela somos partes inseparáveis. Trata-se de deixar de lado a tola idéia de querer controlar tudo, dominar a natureza, saber-se senhor do universo. Não quero com isso desmerecer os avanços científicos que a humanidade logrou ao longo dos milênios. A mente racional, lógica, cartesiana, foi essencial para, desde o Iluminismo, alçar-nos ao patamar de consciência de que desfrutamos hoje. Parece-me, no entanto, que nossa evolução não para aqui e que o novo e significativo passo da humanidade dependerá menos do empirismo da ciência e mais da mudança de atitude e consciência interna a respeito dos fatos da vida. Essa é a mudança mais revolucionária que podemos almejar: a da nossa consciência. Se não formos capazes de ascender a um novo patamar de compreensão de nós mesmos e do nosso propósito aqui na Terra, se continuarmos a agir como consumidores hipnotizados pelos encantos materiais, se fecharmos os olhos às mudanças que se aceleram à nossa volta, como teremos condições de evitar a destruição total e o caos?

Bem, talvez
seja o caos parte indispensável da nossa aprendizagem, quem sabe? A malha da civilização está tensa, parece rumar para um ponto-limite, o ponto sem retorno, se é que já não tenhamos passado dele. O reordenamento da vida em torno de novos valores não se fará sem um período de caos e destruição. O apego ao ego, assim como às coisas materiais, só aumentará nosso sofrimento. Por isso, parece ter chegado a hora de empurrarmos o ego para o banco traseiro e entregarmos o controle da nave da nossa existência para o self superior, o self autêntico, o eu verdadeiro, ou como quer que o chamemos.